Acácio
de Carvalho
Março de
2009
Jaboatão
dos Guararapes-PE
“No finalzinho da tarde, o
padrasto molestava a enteada. – Se você disser alguma coisa a seus irmãos ou à
sua mãe, eu vou bater bastante em você, menina - repetia várias vezes o ignóbil e
desequilibrado tutor da criança de onze anos, enquanto locupletava-se em seus
devaneios sexuais...”
Retorno ao Blog depois de curtir um breve recesso momesco,
que foi aproveitado para por a leitura em dia e fazer rápidas incursões pela
folia do carnaval multicultural de nosso Estado. Nestes quinze dias muita coisa
ocorreu, desde as declarações em defesa da ética feitas pelo senador Jarbas (não entendi porque ele falou
do Bolsa Família... penso que ele não foi bem assessorado), até as oscilações
do capitalismo internacional, quando os Estados Unidos amargam mais de um
milhão de postos de emprego fechados, só neste começo de ano! Em plagas
brasileiras, a crise não está tão forte assim e a história não perdoa: o mundo
será outro depois deste soluço capitalista. Parece que o discurso neoliberal
feneceu de vez...
No último artigo expliquei a função do CRAS – Centro de
Referência da Assistência Social, equipamento público que promove a proteção
básica, ou seja, o cadastramento das vulnerabilidades das famílias, a inclusão
produtiva, o acesso às políticas públicas, etc. Hoje é dia de expor ao leitor
paciente com a limitação estilística do articulista, o que é proteção social
especial, além do local específico para promovê-la, que é o Centro de
Referência Especializado da Assistência Social, conhecido como CREAS.
Imagine o cidadão que teve algum de seus direitos civis,
políticos ou sociais violados. Aquele a quem é negado o acesso à educação, ou à
integridade de seu corpo. Uma criança abusada sexualmente, um idoso vítima de
violência, uma mulher espancada pelo companheiro, um jovem sem teto que é
dependente de drogas, um homossexual alvo de preconceito ou quaisquer outras
situações tão comuns em nosso mundo pós-moderno. Pois bem, quando o caso é de
violação de direitos humanos, e não apenas prevenção, é necessária a atuação da
rede de proteção social especial, e o equipamento público na assistência social
para exercê-la é o CREAS.
A analogia com o sistema de saúde é inevitável: na
assistência social, a proteção básica cuida da prevenção; na saúde, o mesmo
ocorre com a atenção básica, nos postos de saúde e programas de saúde da
família. Na assistência social, a proteção especial cuida dos casos mais graves;
na saúde acontece o mesmo, com as unidades hospitalares mais complexas. Não é à
toa que o SUAS (Sistema Único de Assistência Social) é o irmão mais novo do SUS
(Sistema Único de Saúde).
Como funciona um CREAS? É uma espécie de plantão social, 24h
por dia, onde uma equipe técnica atende às urgências sociais. Assistentes
sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, educadores, cuidadores e outros
profissionais revezam-se no atendimento a vítimas de violência, abuso e
exploração sexual, denúncias de trabalho infantil, acolhimento temporário, uso
de drogas, situação de rua, tráfico de seres humanos, dentre outras situações
de direitos violados.
Enquanto Pernambuco tem mais de 220 CRAS em quase todos os
municípios, os CREAS somam apenas 76, dada a sua complexidade e dificuldade de
operação contínua. Nem todos os municípios que recebem recursos para proteção
social especial, implantaram o CREAS. Por vezes, é oferecido apenas o serviço,
em outro espaço ou equipamento público. É prioridade do Ministério do Desenvolvimento
Social, a partir deste ano, implantar CREAS em todos os municípios do país.
Em giro recente pelo sertão, anotei alguns exemplos
interessantes de CREAS que merecem destaque, co-financiados com recursos
federais, estaduais e municipais. O CREAS de Salgueiro tornou-se uma referência
na cidade, funciona em plena praça da Matriz, onde garante os direitos humanos.
Em Afogados da Ingazeira, o acolhimento temporário funciona em outro lugar para
preservar o anonimato das pessoas atendidas, em sua maioria, crianças vítimas
de estupro ou espancamento, infelizmente. A equipe do CREAS opera em sintonia
com a rede de garantia de direitos: conselhos tutelares, Ministério Público,
Poder Judiciário e ONGs parceiras.
Enquanto não se consegue implantar CREAS em todos os
municípios do estado, o governo Eduardo Campos optou por implantar CREAS
Regionais, centros de referência para cada uma das regiões de desenvolvimento.
O projeto prevê a implementação de 13 unidades até o fim de 2010 (uma por RD e
duas na Metropolitana). É preciso salientar que o governo Federal co-financia
cerca de R$ 50 mil anuais por município, enquanto o Estado faz o
co-financiamento de R$ 570 mil, suficientes para pagamento de pessoal, aluguel
de espaço, despesas correntes, veículo, transporte, material de atendimento,
alimentação, etc. A contrapartida municipal varia de 5 a 25%, dependendo do
porte do município. Cinco unidades foram iniciadas em 2008 nos municípios de
Ouricuri, Petrolina, Salgueiro, Bom Jardim e Vicência. Os municípios se
comprometeram por contrato a atenderem toda a região, em regime consorciado.
Esta ação representa investimentos de quase R$ 4 milhões.
Se você conhece algum caso de violação de direitos, procure o CREAS de sua cidade,
faça valer o direito constitucional à assistência social, não se omita,
colabore com um Brasil mais justo, mais inclusivo, mais democrático, mais
cidadão!
“A professora da menina
abusada sexualmente percebeu as mudanças em seu comportamento e procurou o
assistente social, que encaminhou o caso ao CREAS municipal. A criança estava
grávida de dois meses! Em decisão surpreendente, resolveu, junto com sua mãe,
levar a gravidez a termo, após o parecer da junta médica que descartou risco de
morte para a mãe-criança. O nascituro,
que teve seu direito à vida assegurado, agora nascido vivo, foi entregue para adoção. O padrasto, julgado
em tempo recorde, cumpre pena em unidade de ressocialização”.
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