POR QUE INVESTIR EM
PROGRAMAS SOCIAIS?
Acácio de Carvalho
Fevereiro de 2009
Salgueiro-PE
“Seu doutor, os
nordestinos
Têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulistas
Nesta seca do sertão
Mas doutor, uma esmola
A um homem que é são
Ou lhe mata de vergonha
Ou vicia o cidadão... ”
(Luiz Gonzaga e Zé
Dantas, em Vozes da Seca, 1953)
Findo
o ano de 2008, é hora de fechar o balanço na área social e descobrir que,
historicamente, este foi o ano em que mais foram realizados investimentos em
Pernambuco no âmbito do Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Entre
recursos do fundo nacional e do fundo estadual, foram aplicados quase R$ 2
bilhões em programas de proteção social para famílias vulneráveis em nosso
Estado. São quase 1,9 milhões de beneficiários dos vários programas da
assistência social, como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada –
BPC (salário mínimo para pessoas com deficiência e idosos que não conseguem
manter-se), o programa de erradicação do trabalho infantil – PETI, o Vida Nova
(para meninos e jovens em situação de rua), o Pernambuco no Batente (para
emancipar economicamente as famílias dependentes de transferência de renda),
dentre outras ações que compõem a chamada “rede de proteção social” em nosso
país. Com tantas demandas urgentes no Brasil, como educação, saúde,
infra-estrutura, modernização... surge a pergunta: por que investir tanto em
programas sociais? Qual o benefício advindo de uma política não-contributiva
(em que as pessoas não contribuem para recebê-la)? Até quando precisaremos
aplicar estes recursos? São essas reflexões que trago à sua presença, caro
leitor.
A
primeira razão para justificar investimentos sociais é de cunho ético,
humanitário. O objetivo do Estado, em sua concepção inicial, é promover o bem-estar
e a ordem dos cidadãos que se organizam e vivem em um território. Como conviver
com excluídos? Com pessoas a quem falta o mínimo necessário para a sua
subsistência? A ciência do serviço social tem a sua origem na organização da
sociedade moderna, pós-revolução industrial, com as contradições do
capitalismo, mas encontra raízes nas ações humanitárias desenvolvidas ao longo
de séculos de busca de espiritualidade e fraternidade. A Declaração Universal
dos Direitos Humanos completou 60 anos em 2008 e é um avanço inexorável da
Humanidade, após sofrimento de inúmeros e anônimos mártires.
Um
outro motivo é de cunho prático. A história mostra que uma sociedade desigual,
injusta, em que poucos têm acesso à fartura e vivem com excessos, de forma
perdulária e extravagante, não se mantém no longo prazo. O consumismo
desenfreado, a busca da fama efêmera e midiática, o hedonismo a todo custo, a
egolatria, são características de nossa sociedade pós-moderna, que trazem como
conseqüências mediatas a violência urbana, a depressão, a infelicidade social,
o descrédito nos valores éticos.
Mais
um ponto para corroborar programas de proteção social: a comparabilidade.
Nenhum país atingiu um estado de bem-aventurança social sem construir uma rede
de proteção forte para amparar seus cidadãos em vulnerabilidade e risco. Desde
os europeus nórdicos até os mediterrâneos, passando pelos francos e germânicos,
sem esquecer do Canadá, dos Estados Unidos e até mesmo da Inglaterra, berço do
capitalismo. Todas estas nações têm sistemas de assistência e bem-estar social
amplos e estruturados. É ilusão oferecer “portas de saída” para os
beneficiários dos programas sociais, como se pessoas vulneráveis fossem um
“problema” a ser resolvido. No Brasil, a vulnerabilidade aparece principalmente
sob o viés econômico, pelas características de nosso país, mas a rede de
proteção social apenas muda de perfil, adaptando-se à realidade de cada povo.
Ela nunca acaba!
Mais
um elemento para refletir: a questão legal. O Brasil tem uma das mais modernas
legislações do mundo em termos de assistência social. A Constituição de 1988
traz a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado: “A
assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social” CF, art. 203. A Lei Orgânica da Assistência
(LOAS-1993) e a Política Nacional (PNAS-2004) completam o marco regulatório
dessa política pública em nosso país, que é gerida através do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS, modelo que estabelece responsabilidades e dá atribuições aos entes federados e à
sociedade civil, de modo a evitar desperdícios e sobreposições de atividades.
Coube ao Governo Lula dar visibilidade nacional a essa questão, aplicando
programas de transferência direta de renda (além de outros) para colocar em
prática o texto constitucional. O presidente Lula teve coragem para expor as
vísceras deste país.
Por
fim, uma razão econômica: é muito barato investir em programas sociais. Sim, é
barato! No começo do artigo, destaco as cifras da assistência social em
Pernambuco. Se verificarmos o valor per capita investido, encontraremos cerca
de R$ 1.100,00 por ano para cada família ou beneficiário contemplado pela rede
de proteção. O SIGA Brasil, sistema de informações orçamentárias do Senado
Federal, mostra que o Bolsa Família absorverá R$ 12 bilhões em 2009 em todo o
país, enquanto que o serviço da dívida interna, com juros e amortizações,
consumirá R$ 194 bilhões. Isso mesmo, 16 vezes mais! Se pensarmos que estão
vinculados ao orçamento, 25% para a educação e 12% para a saúde (políticas
imprescindíveis) e descobrirmos que são investidos menos de 0,5% (meio por
cento) na assistência social, veremos que ainda é muito pouco para um dos
países mais desiguais do mundo.
Escrevo
este artigo após uma viagem pelos sertões de nosso Estado, sob a inspiração do
saudoso Luiz Gonzaga, que em 1953 apontava-nos alguns caminhos para superar a
extrema pobreza no nordeste, através de sua poesia imortal. Penso então em Dona
Natália, 50 anos de idade, agricultora, residente na comunidade do Cacheado,
arrabalde de Petrolina, um local sem nenhuma infra-estrutura pública, com dois
tumores no ventre, sem trabalho fixo, beneficiária de R$ 60,00 do Bolsa
Família, que recebeu a mim e à secretária municipal, cheia de alegria, com
aquele sorriso maravilhoso no rosto, próprio de quem é feliz, apesar das
dificuldades. Convidou-nos para entrar em sua casa e disse que está estudando
na 4ª série, porque quer conhecer “mais coisas do mundo”. Quer fazer o curso de
inclusão produtiva. Esse é o Brasil real. Mas esta é história para a semana que
vem!
“Dê serviço a nosso povo
Encha os rios e barragens
Dê comida a preço bom
Não esqueça a açudagem
Livre assim nós da esmola
Que no fim dessa estiagem
Lhe pagamos até os juros
Sem gastar nossa coragem”
Comentários
Postar um comentário