Acácio
de Carvalho
Fevereiro
de 2009
Arcoverde-PE
“O homem partiria cedo de
sua choupana humilde na área rural do Sertão do Moxotó. Um amigo que trabalha
na prefeitura assegurou-lhe que o prefeito estaria na cidade naquele dia... O
café era magro, ralo, acompanhado por uma broa dura, que Dona Rozilda havia
guardado para o desjejum de dois dias atrás. – Quinca, você está com a carta do
médico do Recife? Não esqueça de mostrar ao prefeito, ele é um homem muito bom
e vai atender ao seu pedido! A caminhada
foi longa, cerca de duas horas em passos vacilantes, na bêbada esperança de
conseguir a medicação prescrita pelo doutor da capital. Ao chegar na casa do
prefeito, já havia uma fila se formando, pessoas como Seu Joaquim, pedindo
emprego, cesta básica, muletas, cadeiras de rodas, auxílio para o gás, dinheiro
para a passagem, um petitório sem fim. Joaquim, cabisbaixo, refletia sobre a
sua condição de excluído, sem que tivesse consciência disso. Dependia da boa
vontade e do espírito de caridade do chefe do poder executivo do município. Mas
ele é um bom homem, afirmara a sua Rozilda, Deus há de prover...”
A cena é típica de um dia de trabalho de um prefeito de
cidade do interior, mas pode ser reproduzida nas grandes cidades, nos
corredores e gabinetes de repartições públicas, onde as pessoas tentam resolver
os seus problemas básicos de sobrevivência na dependência do político de
plantão, seja ele prefeito, secretário, deputado ou vereador. Em artigo outrora
postado neste blog afirmei que o Brasil possui uma das mais modernas
legislações em assistência social no mundo. E é verdade. Fruto de lutas
histórias que remontam ao processo de redemocratização do país, passam pela
Constituição Cidadã de 1988, chegam a 1993 com a Lei Orgânica da Assistência e
finalmente, culminam na Política Nacional de 2004, no Governo Lula. Esta semana
tratarei do CRAS – Centro de Referência da Assistência Social, que é o
equipamento público mais importante na prevenção de riscos e vulnerabilidades
sociais e pessoais, fruto de pobreza, discriminação ou violação de direitos.
Além disso, propõe-se a eliminar a prática assistencialista descrita no início
do texto, substituindo-a por uma política pública geradora de direitos e
deveres.
A proteção social no Brasil é de duas naturezas: básica e
especial. Na primeira, a palavra chave é prevenção, ou seja, dela necessitam as
pessoas e grupos que encontram-se em risco social porque tem algum tipo de
fragilidade, seja por sua condição econômica, por orientação sexual, por
gênero, por etnia, por deficiência física ou própria de uma faixa etária
específica (crianças e idosos, por exemplo). Para estas pessoas, a carta magna
brasileira assegura o direito de assistência social (artigo 203), de forma a
serem protagonistas de sua história, em condições similares aos demais
cidadãos. Essa política é não-contributiva, não custa nada ao cidadão. As suas
necessidades básicas devem ser facilitadas pelo estado.
Já na proteção especial encontram-se as pessoas que tiveram
algum direito humano violado, configurando a necessidade de uma intervenção
mais séria, não apenas preventiva, e sim, reparatória. Explico: uma criança que
é obrigada a trabalhar, para ajudar no sustento de casa, tem violado o artigo
26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (dentre várias outras
legislações), que assegura a educação para todos. Também estão nessa condição a
população em situação de rua, os usuários e dependentes de drogas, as crianças
e adolescentes vítimas de abuso sexual, as pessoas submetidas a maus tratos e
violência física ou psicológica, entre outras situações degradantes.
O CRAS é o local onde a prevenção social é feita, evitando
que casos mais graves ocorram. É o equipamento da proteção social básica. No
CRAS há uma equipe de técnicos sociais de diversas formações: bacharéis em
serviço social, psicólogos, educadores, sociólogos e pedagogos. Cada CRAS deve
fazer o cadastramento da situação social das famílias que estão em sua
circunscrição, que inclui o arranjo típico familiar, o número de integrantes,
sua renda, sua segurança alimentar, seus conflitos familiares, suas situações
de risco, a frequência à escola, a participação no programa de saúde na família
e outras peculiaridades. Em municípios pequenos, os CRAS atendem a 2.500
famílias no máximo, enquanto que em municípios maiores, esse número chega a
5.000 famílias referenciadas. O estado de Pernambuco tem mais de 220 CRAS
distribuídos em 178 municípios. Essas unidades devem promover o acesso das
pessoas vulneráveis às políticas públicas do país. Coisas simples como tirar
documentos ou orientar noções básicas de cidadania, ou mais complexas como assegurar
a inclusão produtiva de pessoas e famílias no mercado de trabalho formal ou
informal.
Escrevo este artigo durante uma série de visitas ao Sertão.
Estive no Pajeú, e verifiquei o funcionamento do Centro de Inclusão Pernambuco
no Batente de Tuparetama. Para quem não conhece, Tuparetama é uma cidade de 8
mil habitantes, onde 70% de seus moradores dependem do Bolsa Família (mais de 5
mil pessoas). Pois bem, o PE no Batente é uma iniciativa do Governo Eduardo
Campos para fazer com que essas pessoas se emancipem economicamente e possam
deixar de receber a transferência de renda. Os primeiros resultados são
promissores: cerca de 200 famílias do meio rural estão tendo diariamente
treinamento em apicultura, horticultura, avicultura e beneficiamento de frutas,
com especialistas na área. Além disso, são capacitadas em cidadania, direitos
humanos, elevação de escolaridade, inclusão digital e economia solidária. O
projeto dura dois anos. Alguns são adolescentes de 17 anos, outros são senhores
e senhoras com mais de 50 primaveras, mas o ânimo é contagiante. Só no campo da
fruticultura, parte dos alunos iniciou um beneficiamento de polpa de fruta, com
encomenda semanal de 260 Kg para as escolas da região. Sim, mais de uma
tonelada por mês! Pessoas que estavam à margem da sociedade, que procuraram o
CRAS, fizeram a sua inscrição no cadastro único e hoje tem a perspectiva de uma
vida melhor.
Dona Rozilda é uma destas
pessoas. Beneficiária do Bolsa Família (R$ 50,00/mês) e esposa de Seu Joaquim,
inscreveu-se no programa de segurança alimentar de um município, a cozinha
comunitária, também financiada com recursos estaduais. A cozinha serve 150
refeições diárias a preços populares (R$ 1,50) e distribui 50 refeições para
pessoas devidamente cadastradas no CRAS, em flagrante situação de insegurança
alimentar e nutricional. Estas pessoas alternam-se como voluntários, ajudando
na cozinha, na cocção dos alimentos e na limpeza. Dona Rozilda hoje, é
contratada da prefeitura, recebe um salário mínimo mensal e certamente, seu
marido não precisa mais andar duas horas para pedir um remédio ao prefeito.
Eles são cidadãos do mundo, protagonistas de suas vidas, atores da
transformação social que este país tanto precisa...
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