CONHECENDO
A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL – PARTE I:
O PETI –
PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
Acácio de Carvalho
Janeiro de 2009
“A artesã não tinha opções: seu marido agricultor era um homem rude, que não admitia que a mulher trabalhasse. João Antônio sentia-se revoltado e atingido em sua masculinidade pela nova ocupação da mulher. Ele queria ensinar o ofício ao filho varão, de 9 anos, porque já estava em idade de aprender a ser homem, pegar na enxada, assim como seu pai o havia ensinado a arar a terra, dela extraindo o seu sustento. A escola rural ficava a seis quilômetros de seu roçado e o menino já sabia ler e escrever, era o bastante! Jacilene, desesperada com a colheita insuficiente daquele ano, passou a fazer artesanato com a fibra da bananeira para ajudar em casa. Juntou-se a outras mulheres da comunidade no Sertão Central e trabalhavam até tarde, produzindo bolsas, vasos, cintos, brincos e outros objetos. O que parecia passatempo, ganhou vulto, virou uma associação e o artesanato correu o mundo. O menino, contudo, acompanhava a mãe nas jornadas estafantes, como aprendiz de artesão e deixando a escola cada vez mais distante, muito além daqueles seis quilômetros...”
Em geral, o brasileiro acredita que a política de assistência
social no Brasil está restrita ao programa federal de transferência de renda, o
Bolsa Família. Isso se deve ao desconhecimento da rede de proteção social
instalada no País, que tem como objetivo assegurar a cidadania de pessoas e grupos
em situação de vulnerabilidade e risco, motivados por pobreza, discriminação
racial, religiosa ou de orientação sexual, limitações geradas por deficiências
físicas ou próprias de determinadas faixas etárias, como crianças e idosos, ou
ainda, aquelas pessoas que tiveram seus direitos humanos violados. Acontece que
há uma série de outros programas públicos voltados a essas pessoas, que, em sua
maior parte, são desconhecidos do cidadão de classe média. Para termos uma
ordem de grandeza, o Bolsa Família tem R$ 12 bilhões orçados para 2009, mas o
Ministério do Desenvolvimento Social investe anualmente R$ 33 bilhões, o que
mostra que a maior parte dos recursos (cerca de 65%) está em outros programas.
Minha intenção é refletir, junto com você, leitor, sobre a importância de cada
uma dessas ações sociais.
Começo pelo trabalho infantil, que é uma das maiores
violações de direitos de crianças e adolescentes, onde é negado o direito à
educação, ao lazer, muitas vezes, à saúde na infância. Pernambuco ainda ostenta
índices alarmantes de violação desse direito humano, mostrando que é necessário
fazer mais. Censo Educacional realizado em 2004 pelo Programa Educar, através
da ONG Companheiros das Américas, mostra que em 14 municípios do semi-árido
pernambucano, cerca de 9 mil crianças e adolescentes (11% do total na faixa
etária de 7 a 15 anos), estão em situação de trabalho infantil. As estatísticas
mais recentes variam entre 10 a 20% dessa população em situação de risco. A
política pública voltada para enfrentar esse quadro é o PETI – Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil.
Como funciona o PETI? As crianças e adolescentes em risco são
cadastradas no Sistema do Governo Federal, onde são registrados todos os dados
sociais das famílias vulneráveis, como número de integrantes, renda, idade,
escolaridade, acompanhamento da saúde, etc. Esse cadastro, chamado de CadÚnico,
serve de base para o pagamento do benefício do Bolsa Família, que varia em
função do número de filhos. Cada família recebe benefício para um máximo de 3
crianças e adolescentes até 15 anos. No teto, esse valor chega a R$ 60,00 pelos
3 filhos (R$ 20,00 por cada um). O município, por sua vez, recebe um incentivo
de R$ 500,00 mensais por cada grupo de 20 crianças e adolescentes cadastrados.
O objetivo desse incentivo é formar coletivos em jornada ampliada, ou seja,
núcleos e grupos que desenvolvam atividades diversas no contraturno escolar.
Explico: a criança vai à escola pela manhã, estuda, se
alimenta, e à tarde, complementa a carga horária com atividades esportivas, de
lazer, culturais e de reforço escolar. Em alguns municípios, é oferecida
alimentação nessa jornada ampliada. Em síntese, o PETI é uma solução
alternativa enquanto não conseguimos universalizar a escola em tempo integral,
algo que em países desenvolvidos, é realidade corrente.
Em Pernambuco, foram contabilizadas ao final de 2008 quase
110 mil crianças e adolescentes em risco de trabalho infantil. Isso representa
um investimento de mais de R$ 30 milhões ao ano. Sem o PETI, esses meninos e meninas
estariam expostos à interrupção de seus estudos pela imposição do trabalho,
como conseqüência de um quadro fragilizado pela desigualdade social, cooptação
pelo narcoplantio, falta de acesso a políticas públicas, situação de rua,
exposição a pequenos delitos, consumo de drogas, falta de oportunidades e
heranças culturais. Sabemos que a educação é a melhor forma de romper com o
ciclo intergeracional de pobreza e miséria, que se perpetua pelos fatores
históricos da colonização, pela herança da escravidão, pela espoliação
capitalista surgente no século XIX e pelo capitalismo pós-moderno ou neoliberal
de nossos tempos. Negar educação a essas crianças é condená-las à extrema
pobreza e romper todo um ciclo virtuoso de crescimento social, até que o PETI
não seja mais necessário.
O PETI é um programa do SUAS – Sistema Único de Assistência
Social, financiado pelo Governo Federal e executado pelos municípios. O papel
do Governo Estadual é coordenar, monitorar, co-financiar, apoiar tecnicamente,
capacitar e avaliar a aplicação do programa. O desafio é melhorar a qualidade
da jornada ampliada do PETI e nesse sentido, o Governo Eduardo Campos vem
aumentando investimentos na área. Em capacitação continuada e mobilização foram
investidos R$ 2,5 milhões no ano passado, para todos os municípios
pernambucanos. Só no Programa Vida Nova, foi aplicado em 2008, o equivalente ao
total de recursos nos dois últimos governos (1999-2002 e 2003-2006). Ainda há
sérios problemas no PETI: baixa qualidade, atividades desinteressantes, frequência
insuficiente, núcleos não-instalados (desvio de recursos) e por aí vai. O
trabalho é árduo, nossa dívida social é enorme, e agora que você conhece o
PETI, conto com a sua defesa e fiscalização, querido leitor. Como está o PETI
em seu bairro ou município? O filho de Seu João Antônio e Dona Jacilene tem uma
esperança no fundo da caixa de Pandora...
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