Há cerca de 15 anos, escrevi um artigo sobre nepotismo... será atual?

Combater o nepotismo não é o mais importante...
Acácio de Carvalho

A
 trabalho, viajei recentemente a outro estado do Brasil. Era um almoço em um restaurante típico da região... Estava ao lado de empresários e políticos locais. De repente, a conversa enveredou para a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça em coibir o nepotismo, sustando a contratação de parentes em cargos comissionados. Um dos presentes, em tom inflamado, reclamava que a sua noiva teria que abrir mão de um cargo no Poder Judiciário, por ser sobrinha de um desembargador. Mas a solução já estava sendo negociada: ele trocaria o seu cargo, também comissionado, no Poder Legislativo, com o dela, e então ela fugiria da proibição da nomeação de parentes. A “troca” ainda teria o requinte de envolver a devolução de parte de seu salário (pois o cargo do nosso “indignado” assessor era de valor superior ao de sua noiva). Esse é um retrato da República Federativa do Brasil e o resultado de soluções ineficazes como a proibição da nomeação de parentes, seja na esfera do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Mas então, como resolver essa grave questão ética que remonta aos primórdios da formação do estado brasileiro e tem por base o patrimonialismo, onde a coisa pública confunde-se com os interesses pessoais do governante? Nestes tempos de depuração e amadurecimento de nossa democracia, fala-se muito em Ética, contemplando os valores morais. É preciso lembrar que Ética é a parte da Filosofia que investiga o comportamento humano, questionando-o sempre, em busca de um ideal de perfeição, de harmonia e de universalidade. É forçoso admitir que a Ética coletiva se sobrepõe à individual. Quando o ambiente não oferece condições de transgressões comportamentais ou tem punições severas, o indivíduo sente-se constrangido a cometer deslizes que beneficiem a si próprio em detrimento do bem comum, razão de ser do estado moderno. Por outro lado, o ambiente permissivo reforça atitudes pouco “éticas”, que mostram a falta de compromisso com o povo. Devemos criar um ambiente coletivo que valorize a Ética.
Dessa forma, combater o nepotismo não é o mais importante, apesar de reconhecer a nobreza da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça. Trata-se de um paliativo, uma ação pontual para contrapor-se ao descalabro e à falta de limites éticos na gestão do Poder Judiciário. A raiz do problema está no aparelhamento do Estado, que precisa ser reprimido, adotando-se a profissionalização da gestão pública.

Devemos investir no servidor público de carreira, com uma política permanente de valorização de pessoas, com o ingresso regular de novos talentos, através de concursos públicos anuais. O desenvolvimento da carreira de gestores públicos, com cursos de extensão e pós-graduação nos diversos campos de atuação do poder estatal, como na área de gestão, planejamento, finanças, previdência, tributação, fiscalização, saúde, educação, dentre outras, formaria uma equipe de excelência gerencial, capaz de assumir qualquer cargo na máquina pública. A partir daí, os cargos comissionados de livre provimento seriam preenchidos obrigatoriamente por servidores públicos de carreira. Claro que o governante de plantão tem que ter liberdade para trazer pessoas de fora da máquina pública, seja por acomodação política ou por competência comprovada em outra organização, para colaborar em seu projeto de governo, mas essa deve ser a exceção e não, a regra. O livre provimento ficaria restrito a poucos cargos de assessoria e talvez, um percentual reduzido de cargos comissionados, em torno de, no máximo, 10%. É inadmissível que, na última transição de poder do Governo Federal, feita em 2002, tenham sido trocados os ocupantes de cerca de 40 mil cargos, quando em democracias consolidadas, como na Inglaterra, na França e no Canadá, são substituídos menos de mil gerentes públicos. Tudo colabora para a descontinuidade das políticas públicas e para o aparelhamento do Estado por interesses pessoais, incluídos aí, os perniciosos casos de nepotismo.
Em Pernambuco, desde 2001, a Escola de Governo já vem capacitando gestores públicos em modernas tecnologias de gestão. São mais de 7 mil gerentes treinados em várias áreas. O Governo Jarbas reduziu o número de cargos de confiança de 11 mil em 1999 para cerca de 8 mil em 2005, sendo apenas 2 mil de livre provimento. Esse é o caminho e apesar do avanço, é preciso aprofundá-lo, com coragem e espírito público. Estimo que, em 4 anos, podemos fazer a transição do modelo atual (híbrido) para o modelo gerencial pleno, estipulando patamares de redução de cargos de confiança de livre provimento ano-a-ano, de sorte a banir de vez a prática nefasta do nepotismo e implantar a verdadeira gestão pública profissional, com foco em resultados e no atendimento ao cidadão. Talvez então, os cargos comissionados deixem de ser meras “moedas de troca”, e passem a ter a relevância que a Sociedade do Terceiro Milênio exige.

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