DÍVIDA
SOCIAL E TRANSFERÊNCIA DE RENDA - PARTE I
Acácio de Carvalho
Janeiro de 2009
Jaboatão dos
Guararapes-PE
“O homem estava humilhado... Após inúmeras
tentativas de arrumar trabalho, teve que estender as mãos e pedir: sem dinheiro
para alimentar sua companheira e quatro filhos pequenos, desesperou-se e foi à
rua mendigar. O apurado do último biscate bastou para comprar comida até hoje.
O que acontecerá amanhã? ”
A situação
relatada acima retrata o que é chamado pela ciência de “insegurança alimentar e
nutricional”, que, pela escala brasileira, pode ser leve, moderada ou grave. Um
terço dos pernambucanos passa por algum tipo de insegurança alimentar, quase 3
milhões de pessoas! Não há nada mais indigno para um homem são ou mulher sã, do
que não poder sustentar a si e aos seus. Mahatma Gandhi lembrava-nos que “a
maior violência que pode ser cometida contra um povo, é a miséria”.
Reconhecendo os avanços em duas décadas de democracia, o Brasil ainda tem uma
enorme dívida social. Cabe-nos fazer uma breve análise do tamanho dessa dívida
e das políticas públicas em curso para superá-las, em especial o Programa Bolsa
Família, política bem sucedida de transferência direta de renda do Governo
Federal.
O Brasil
é um dos países mais desiguais do mundo: a escala de GINI mede a diferença
entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Dentre as quase 200 nações do
planeta estamos entre as últimas em distribuição de renda. O nordeste
brasileiro é ainda mais desigual que o país, e pasmem, Pernambuco é mais
desigual que a média do nordeste. A opção por transferir renda diretamente para
o cidadão pobre pode ser simplória, mas mostrou-se bastante eficaz. Só no
Governo Lula, milhões de brasileiros deixaram a linha de extrema pobreza.
Qualquer cidadão que possua uma renda familiar inferior a R$ 120,00 per capita
por mês pode habilitar-se a ingressar no Programa Bolsa Família, cumprir algumas
condicionalidades e receber entre R$ 20,00 e R$ 182,00 mensais, dependendo do
nível de renda e do número de filhos.
Em
resumo, as críticas ao programa alertam sobre 3 aspectos: o descumprimento das
condicionalidades, a possibilidade de
fraudes e a acomodação gerada pelo recebimento da bolsa. Isto faria o
programa ser assistencialista. Para permanecer no programa a família deve
manter os filhos na escola, atualizar a carteira de vacinação e, no caso de
gestantes, fazer as consultas pré e pós-natal. A lógica é a do rompimento do
ciclo intergeracional de miséria pela educação e manter condições adequadas de
saúde. Críticos afirmam que o valor da bolsa não é gasto com alimentação e sim,
com itens fora do programa, como bebidas alcoólicas, por exemplo. Pesquisa de
impacto contratada pela Secretaria de
Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado no ano passado e feita pelo
IPSA, instituto ligado à UFPE, mostrou que cerca de 86% dos beneficiários
pernambucanos gastam a bolsa com alimentação. E outro dado acachapante: mais de
90% estão na escola e cumprindo as condicionalidades de saúde. Em outras
palavras: em geral, o povo está seguindo as regras. A íntegra da pesquisa está
no site da secretaria e vale salientar, foi a maior pesquisa do gênero feita no
Brasil, com mais de 2 mil lares visitados em todo o estado, além de entrevistas
com gestores de metade dos municípios de Pernambuco.
Com
relação às fraudes, os casos relatados ainda são muitos, mas chegam a menos de
10% do total. A pergunta é: deixa-se de atender aos necessitados pelos erros ou
melhora-se a fiscalização pública e da sociedade civil? Quanto à acomodação,
este blog e a Coluna do Magno tem relatado o fracasso na mobilização dos
beneficiários para a saída do programa através da qualificação profissional.
Dados do MDS mostram que apenas cerca de 3% das famílias atenderam às ofertas
de cursos do Governo Federal na área da construção civil e turismo. Esse é o
maior desafio do programa – oferecer soluções estruturadoras para vencer a
dependência da bolsa.
O
Governo Eduardo Campos vem fazendo a sua parte: criou o Programa Pernambuco no
Batente para oferecer qualificação profissional a, pelo menos, um membro de
cada família em vulnerabilidade e risco. O programa funciona através de editais
de seleção de projetos de municípios e entidades que trabalham com inclusão
produtiva. Cada família escolhe o membro mais apto para fazer a qualificação,
que chega a mil horas de treinamento em direitos humanos e cidadania, elevação
de escolaridade, informática e o próprio conteúdo da profissão, além de
estágio, noções de empreendedorismo e economia solidária. Os cursos seguem a
realidade do arranjo produtivo local e variam de prestação de serviços e
culinária até fruticultura e apicultura. A família passa um ano na capacitação
e é acompanhada por mais outro ano. Os municípios e entidades executam e o
estado promove o apoio técnico, monitoramento e avaliação, juntamente com o
repasse financeiro. A fiscalização compete ao TCE e ao Ministério Público. Além
disso, os municípios que comprovadamente investirem na inclusão produtiva e
reduzirem sua dependência do Bolsa Família, receberão recursos adicionais do
Estado.
Em 2008,
6 centros PE no Batente foram inaugurados, do Sertão ao Litoral. Ainda é pouco,
mas parece um alento. O valor dos editais de co-financiamento passou de R$ 1
milhão em 2006 para R$ 1,5 milhão em 2007, R$ 7 milhões em 2008 e finalmente,
R$ 15 milhões este ano. Hoje, 900 mil famílias dependem do Bolsa Família em
Pernambuco, o que representa 43% da população do Estado. Há municípios em que,
infelizmente, esse percentual ultrapassa a casa dos 90%. Cada família que
participa do PE no Batente custa aos cofres estaduais R$ 110,00/mês, e,
espera-se, sairá do Bolsa Família em dois anos, enquanto a média de transferência
de renda do Governo Federal é de R$ 80,00/mês por família ou mais de R$ 870
milhões/ano, só em Pernambuco, sem maiores perspectivas de emancipação
econômica. É hora de União, estados e municípios darem as mãos para fazer com
que menos brasileiros dependam desse importante benefício. Quando se fala em
cortes no Bolsa Família, toda a sociedade brasileira deve ter coragem e gritar:
NÃO!! Na crise é que surgem soluções inovadoras. A dívida social tem que ser
paga.
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